segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

                                                       UM PASSO ALÉM

Como outras pessoas, ele também correu para socorrer o atropelado. A aglomeração de curiosos aumentou de repente. E não teve dificuldade de passar entre tanta gente que olhava o corpo estirado no chão, atravessado no meio da rua, manchado de sangue, junto a um automóvel. Era alguém que lembrava ele mesmo, embora o corte na cabeça, de onde escorria uma fita de sangue, modificasse um pouco a fisionomia da vítima.

Com tantos curiosos reunidos, amontoando-se ao redor do corpo, ele se deslocava facilmente, como se levitando estivesse, chegando próximo, frente a frente aos paramédicos que assistiam, apressados, o infeliz desconhecido. Perguntava a um e a outro quem era aquele moço estendido, inerte, no asfalto quente daquela tarde de verão. Ninguém lhe dava ouvidos. Também o burburinho de tantas vozes e mais o soar intermitente da sirene dum carro-ambulância, ali presente, não lhe permitiam qualquer atenção desse ou daquele a quem interrogava. Achava. Mas, mesmo se acotovelando entre os populares, ninguém reclamava dos seus empurrões. Assim, transitando sem esforço nenhum, achou que algo estranho havia acontecido com ele. Não estava na mesma dimensão dos demais, porque se movimentava sem qualquer dificuldade. Era uma sensação de imponderabilidade.

Viu os homens da UTI-móvel acomodarem o corpo do desconhecido numa maca, prendendo-o ali com os cintos de segurança, encaixando aquele pacote na parte de trás do veículo, que, fechadas as portas, partiu em disparada pela avenida que, descongestionada, propiciava ao veículo desenvolver alta velocidade.

Estava sem rumo. Cruzou a via pública várias vezes, achando até graça nele mesmo passando entre os carros em movimento e nada lhe acontecia.

O tempo lhe pareceu parado. A tarde se fora, como observou no céu, que já escuro, cintilavam as primeiras estrelas. Não havia qualquer preocupação em sua mente, nenhum pensamento roubava-lhe a paz, a tranquilidade que experimentava, desde que presenciou o atropelamento daquele que seria seu irmão gêmeo, se assim tivesse nascido. Era celestial o que sentia, como qualificou. Tudo era leve, de uma serenidade inexplicável, observava. A mansidão o transportava a uma planície branca, feita de uma luminosidade fosforescente. Não era igual à luz das lâmpadas incandescentes que se estendiam pela grande avenida da beira-mar. Não havia postes. E daquela claridade intensa surgia uma doce, uma maviosa orquestração, uma sinfonia que lembrava milhares violinos reunidos.

Caminhou, o que não era bem um caminhar, porque os seus passos davam-lhe a impressão de deslizar como um patinador exímio. Era por uma alameda ladeada de grandes árvores, de um verdor intenso, que ele passeava. Procurou encontrar alguém, que logo divisou num largo, feito uma enorme praça. Algumas das pessoas, entre homens e mulheres, lembravam-lhe antigos conhecidos, até mesmo contemporâneos do seu tempo de estudante. Não hesitou e procurou se informar que lugar era aquele, onde reinava um clima diferente, um ambiente feito de suavidade. Não se ouvia barulheira de qualquer espécie. Também não via automóveis, nem ônibus, nem caminhões. Somente pessoas alegres sob uma atmosfera de muita luz e cânticos maviosos. A paisagem, deslumbrante, compunha-se de um ajardinamento que nunca vira antes. As flores, que enfeitavam muitos canteiros, eram multicores e havia, por sobre a relva, repuxos de uma água cristalina que jogava no ar uma espécie de vapor que enchia a atmosfera de um perfume inebriante.

Para sua surpresa, Márcio veio ao seu encontro e o abraçou forte e demoradamente. Quanto tempo, meu prezado amigo! Lastimo que somente agora tenhas chegado!

Cláudio não acreditou que era o colega de outros tempos. Ficou perplexo; quase sem fala. Mesmo assim, arranjou forças e correspondeu àquele amplexo tão sincero. Muito admirado e curioso, quis saber onde estava; que cidade era aquela tão diferente, tão calma, onde tudo funcionava harmoniosamente. Perguntou e, atento, ficou a ouvir.

- Cláudio, este lugar, ou melhor, esta dimensão não tem uma denominação específica como as cidades, vilas e vilarejos do plano inferior, onde nascemos, donde, há pouco, tu chegaste. Certo? Alguns dos nossos, esses que já vivem aqui, às vezes, brincando, chamam este espaço, este lugar de “Nossa Aliança”, de “Luz de Esperança”, de “Fonte de Amor” e outros tantos títulos. Mas tudo sem qualquer registro definitivo. E nós todos, como bem vês, estamos nos preparando, digo melhor, purificando-nos dia a dia para a tão esperada volta do Senhor, que nos julgará. E quando isso acontecer, que não vai demorar, os escolhidos ficarão à Sua direita, posição essa que todos nós almejamos. Os demais, só Ele saberá o destino...

- E como é que eu vim parar aqui? Interrogou ao colega, a quem não via há muitos anos, desde que se separaram, quando cursaram e terminaram juntos o ginasial, numa cidade do Nordeste. Cláudio, logo depois, foi embora para o Sul.

- Ainda não está fácil entenderes o que te aconteceu. Ponderou Márcio. Mas, vou tentar te explicar. Presta atenção! Assim como um piloto desses modernos aviões de combate, que chamam de “caças”, que é ejetado, quando o aparelho sofre uma pane no ar, ou mesmo quando atingido em combate; do mesmo jeito tu foste arrancado, provisoriamente, do invólucro, deste envoltório material que forma o teu corpo. Aquilo já não valeria mais nada, se este teu momento tivesse chegado. Se fosse a tua hora de vir para cá. Aquela composição de células, ossos e medulas, que fabricavam sangue para o teu cérebro e o teu coração, dando-te assim os teus movimentos e ações, deixaria de existir. Nada mais se aproveitaria do que constituía o teu ser humano. O material que levaram naquele carro era o teu corpo quase sem vida, quase imprestável, que voltaria para a terra, se tua morte tivesse acontecido de verdade, transformando-se em pó. Mas isso não aconteceu. Estás aqui por uns instantes. Aliás, em Gênesis 3:19, o primeiro livro da Bíblia, não sei se conheces, está bem claro e diz assim: “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; pois és pó, e ao pó tornarás”.

Cláudio estava atônito diante do que via e, principalmente, do que ouvia daquele colega e amigo de longa data. E quis saber.

- Quer dizer que agora eu sou um espírito? Não acredito, porque me sinto a mesma para se viver. Essa paz, essa música e a compreensão notável entre vocês não existem lá embaixo, onde os homens não se entendem. Não! Não quero regressar àquele mundo de contrariedades, de violência, de inveja, de mentiras, de contendas intermináveis! Ali já vivemos o Apocalipse de João Evangelista! Deixe-me ficar, pelo amor de Deus!

Com tristeza, e até lacrimejando, Márcio finalizou:

- A tua hora ainda não é chegada. Sofreste um acidente. Mas não te separaste ainda da matéria, do teu corpo de carne e osso. Para onde te conduziram, constataram que o teu coração não tinha parado e te transferiram para um hospital. Estavas em estado comatoso. Entre a vida e a morte material. Espero que me entenda. Sabemos que deste um passo além. Mas tens que regressar, lamento. A ordem não parte de mim. A determinação vem de outra dimensão, bem superior a que estamos agora.

A sala de UTI, repleta de aparelhos, muitos computadorizados, surpreendeu Cláudio, que acordava do coma de mais de um mês, no leito de um hospital do subúrbio, recebendo um largo sorriso de uma enfermeira, ficou surpreso. Ali ainda permaneceu por alguns dias, talvez até revoltado porque, logo, enfrentaria esta vida, com as suas injustiças, os dissabores, o desamor que, infelizmente, ainda existem neste mundo material que Deus nos deu.









sexta-feira, 28 de dezembro de 2012




TRISTEZA


Eu quis viver momentos de ternura,
De dias e mais dias de alegria,
Como eu imaginava que seria,
Buscando, pois, no amor, muita doçura.

E... sigo só, sem paz, sem euforia,
Triste trilhando a minha estrada escura,
Não vendo mais, na flor, a formosura,
Uma flor que p´ra alguém quis dar um dia...!

Infelizmente eu já não sinto mais
Aqueles instantes de ternura e paz,
Feitos de amor, como se numa prece,

Que agora é feita de muita tristeza,
Sem sorrisos, sem luz e sem a beleza,
Dessas manhãs que o sol nos oferece...!







terça-feira, 25 de dezembro de 2012

postagens



                                               UM TRIÂNGULO AMOROSO


A festa do aniversário da filha do tabelião José Honório foi um marcante acontecimento, ali, naquela próspera cidade do interior do Estado, no Nordeste. Colunistas sociais, da Capital, comentaram o evento em seus jornais nas edições do domingo seguinte.

-- O que você achou da festa da Lucinha? E do filho do Honório? Não é uma graça de rapaz? Eudóxia quis saber da filha, logo que deixaram a casa da aniversariante, no caminho para casa, enquanto dirigia, vagarosamente, seu automóvel.

-- Eu percebi o seu entusiasmo. E... as olhadas de Honorinho para você, eu notei também. Você não observou que ele estava muito interessado em você?

-- Francamente, mãe, não notei não. Ele me tratava do mesmo jeito que fazia com as outras meninas...

Faltava à filha a esperteza, a astúcia, a experiência da mãe.

Carlinda logo se enturmou com outras moças convidadas, que, alegres, tagarelavam em torno de Honorinho, irmão de Lúcia, a aniversariante. A mãe, extrovertida e simpatíssima como era, esbanjava sorrisos e muita conversa, entre casais, que provavam da enorme variedade de salgadinhos, doces e bebidas, inclusive o não tão barato champanhe francês.

O tabelião José Honório, como havia prometido à mulher, nos seus últimos dias de vida, deu à filha uma esmerada festa de quinze anos. A casa, numa das ruas preferida pelos mais afortunados da cidade, encheu-se de luzes demasiadamente, até por baixo das fruteiras que compunham parte do jardim dos fundos da residência, onde se espalhavam mesas e cadeiras para os convidados, que se serviam, à vontade, ou por garçons bem trajados também. Lúcia convidou para a sua festa, como compromisso também, os amigos mais achegados à família. Eudóxia e o marido (quando vivo) faziam parte daqueles íntimos.

-- Vamos dançar? Honorinho convidou Carlinda, dentre as outras.

A moçada, aos pares, já se balançava no salão da vistosa residência do tabelião Honório, preparo para a festa, ao ritmo molengo de uma música caribenha, executada por um famoso conjunto-musical, da Capital, contratado para o evento.

Dali para diante, Eudóxia não parou de martelar a cabeça da menina para se engraçar pelo moço. E namorá-lo. Assim, sempre que iam juntas ao centro da cidade, dia sim, dia não, passavam, a passos lentos, em frente ao Cartório, forçando a filha a certas insinuações, para chamar a atenção de Honorinho, que, mesmo envolvido com o seu trabalho, correspondia com olhares e sorrisos melosos também. Carlinda não era tão atraente como a mãe - uma quadragenária vaidosa, de quadris curvilíneos, ainda mais arredondados pelos espartilhos, contando ainda com um busto não volumoso, mas empinado pelo sutiã, certamente. Mas, a menina despertava o interesse dos rapazes pela meiguice de sua fala e dos seus gestos maneirosos de se comunicar.

A estratégia de Eudóxia não falhou. Aliás, ela nunca falhava, quando desejava coisas até impossíveis como, por exemplo, apadrinhar a filha, no casamento, com o prefeito do município, que era um sujeito incomunicável e, já viu..., antipático que só ele mesmo. Em época de eleição, era outra criatura. Até sorria, angariando votos.

Eudóxia era uma mulher prática, decidida. E, além disso, bonita; dona de um olhar incitante. Muitos iam além: Ela tem um quê de sedutora. E ainda não experimentava a fase crítica do climatério. Podia até casar de novo e ter filhos, se esse fosse o seu desejo com um novo marido.

Aquela não era a sua vontade. Não pensava contrair núpcias outra vez; constituir nova família, procriando, apenas para satisfazer a vontade de um novo companheiro. Não! Isso não! Nunca! Dizia consigo. Ela queria era um relacionamento descompromissado, em que o sexo estivesse acima de tudo, na concepção mais límpida da palavra. E um homem, jovem, no vigor dos seus 20 anos, como Honorinho, seria a dose certa, o remédio ideal para os seus impulsos carnais. Não estava mais ligando para conceitos sociais, nem religiosos. Que a sociedade se dane, se vou ter o meu genro como meu amante! Desabafava consigo. Carregava, de longa data, a frustração de não ter tido como esposo, ou como amante - melhor ainda, dizia, alguém mais jovem do que ela. Contraiu matrimônio com um homem idoso, dez anos a mais da sua idade, tão somente por insistência dos seus pais, respeitando, assim, as tradições familiares da cidade, atreladas aos dogmas da igreja católica. Sentia-se, assim, tolhida, frustrada em suas pretensões sexuais, já que nenhuma outra maneira de fazer sexo partia do marido, que a deixou viúva ainda bem inteira, cheia de vigor sexual. Sem alternativa, buscava seus prazeres às escondidas, masturbando-se com objetos, adquiridos em lojas especializadas, que já existiam na Capital. Mas, as suas intenções podiam se realizar, verdadeiramente, tendo o filho do tabelião Honório, como seu genro, em casa, ali na sua mão, sem se expor a comentários, a cochichos dessa ou daquela mexeriqueira da cidade, se se interessasse por algum outro jovem dali mesmo. As fantasias eróticas, que já imaginava com o rapaz, perturbavam-lhe demasiadamente, a ponto de ter orgasmos durante a noite, mesmo sozinha, com travesseiros presos às pernas, pensando no que iria praticar com seu futuro genro.

Com o falecido esposo não se realizou por completo na intimidade das quatro paredes do seu quarto. Uma barreira impedia, mesmo aceitando a maneira normal do marido, de possuí-la, Eudóxia, dificilmente, tinha os seus gozos completos. A formação religiosa do marido servia de entrave. Frustrava-se por isso. Não se considerava ninfômana. Era, sim, carente de carícias, de excitações, de manipulações em seu corpo por mãos masculinas experientes nas preliminares que antecedem ao ato sexual, propriamente. E no adolescente Honorinho, no fervor dos seus dezoito anos, com a libido à flor da pele, estava certa que encontraria. E a ele podia retribuir, oferecendo-lhe tudo aquilo que desejava praticar como fêmea, como uma amante perfeita, submissa a todas as suas fantasias e desejos eróticos - coisas normais no pensamento dos adolescentes. Imaginava.

Lia e relia, nos seus devaneios noturnos, na penumbra do seu quarto, trechos do livro "A Carne", de Júlio Ribeiro, como os diálogos dos personagens Lenita e Barbosa:

“-- Não posso! Não posso! exclamou, ululou desatinado.

Deu-se uma inversão de papéis: em vista dessa frieza súbita, desse esmorecimento de carícias, cuja causa não podia compreender, nem sequer suspeitar; no furor do erotismo que a desnaturava, que a convertia em bacante impudica, em fêmea corrida, Lenita agarrou-se a Barbosa, cingiu-o, enlaçou-o com os braços, com as pernas, como um polvo que aferra a presa; com a boca aberta, arquejante, úmida, procurou-lhe a boca; refinada instintivamente em sensualidade, mordeu-lhe os lábios, beijou-lhe a superfície polida dos dentes, sugou-lhe a língua...

E o prazer que ela sentia revelava-o na respiração açodada; no hálito curto, quente; era um prazer intenso, frenético, mas... sempre incompleto, falho...”

E terminava por se tocar intimamente, fazendo uso de certos objetos, agarrada a um travesseiro, como sempre acontecia.

Empenhou-se em casar logo a filha, assim que enviuvou.

Tanto fez que arranjou o namoro da filha Carlinda com o filho do tabelião José Honório. O rapaz, Honorinho, bem afeiçoado, ainda não estava a fim de abandonar a vida de solteiro, pois levava uma vida mansa com a boa retirada mensal que lhe cabia. Tinha carro do ano. Só usava roupa de griffes renomadas e aproveitava bem os finais-de-semanas. E, quando sem programa na cidade, mandava-se para as praias, na Capital.

Não tinham nem um ano ainda de namoro. A futura sogra botava uma lenha desmedida para atiçar o fogo do moço, para atraí-lo ao seu redor. Queria sacramentar tão logo o casório filha com aquele genro, com quem dividiria muitos momentos de amor. Porque, por um lado o futuro da filha estava garantido. Honorinho era o escrivão-substituto, herdeiro natural do lugar do pai. E, por outro, estaria ele ali, pertinho dela, aos seus pés, a seu dispor, como arquitetou o seu plano. Maior do que o da filha era o seu objetivo: trazer Honorinho para dentro de casa. E com ele, dar vasão aos seus desejos recalcados de fazer sexo diferente do que experimentou com o falecido marido.

-- Você não pode deixar escapar esse partido, menina! Esse rapaz é um amor de criatura! Você não concorda, filha?

-- Ah, mãe...! Sei não! Tá bem! Você tem razão! Mas, o que é que faço, então?

-- Deixe comigo... Seja só boazinha com ele! O resto eu dou um jeito.

Não tinha uma vez que o rapaz fosse à sua casa, para namorar ou pedir para sair com Carlinda, que Eudóxia não tivesse alguma coisa para lhe oferecer, afora palavras carinhosas, maternais. Era tanta gentileza, tanta insistência que ele acabava por provar, um pedacinho que fosse, de bolo ou de doce. No mínimo, tinha um cafezinho, feito na hora, quando faltavam certas iguarias, para o futuro genro, que, naqueles meses de namoro, já não sabia o que dizer à mãe da menina para não provar "um pedacinho só" de novo agrado, feito especialmente para ele. Era uma bajulação exagerada, que deixava Carlinda sem jeito, encabulada, sem graça.

Eudóxia alcançara o seu objetivo. A filha, liberada, acompanhando Honorinho até nas suas idas às praias, na Capital, arranjou uma gravidez. Era aquilo que a mãe desejava para forçar o casamento. Conhecia a austeridade de José Honório, adepto que era dos bons costumes e da velha autoridade paternal. Sabia que jamais o velho tabelião permitiria ter um neto que fosse resultado espúrio de um concubinato, ou de um ato descabido de um adolescente irresponsável, como seria tachado o seu filho. Dito e feito.

E gritou com o filho:

-- Você vai assumir essa paternidade, ouviu? E não é somente isso! Você vai casar com a menina! Estamos entendidos?

Honorinho baixou a crista, que nem ousou levantar.

Afinal, se casaram. Foi uma festa simples, mas bonita. Tudo aconteceu na casa da sogra, um imóvel grande, cheio de cômodos espaçosos, do jeito que gostava o falecido "doutor" Generoso, seu esposo, que fazia as vezes de médico com receitas desse ou daquele medicamento homeopático, na sua farmácia, muito procurada naquele município. Então, ficaram vivendo, por insistência e incomensurável satisfação de Eudóxia, em sua residência, depois de casados. O velho Honório presenteou o jovem casal com um belíssimo conjunto de quarto: cama, um berço para o netinho, ou netinha, que brevemente chegaria, armário-de-roupa, cômoda e tudo mais que coube no espaço em que os dois passariam a ocupar. “Sêo” Honório não se opôs à mudança do filho para a casa da sogra. A sua filha logo casaria e, sem dúvida, ficaria vivendo em sua companhia.

A admiração e os cuidados de Eudóxia para com o genro eram gritantes. Então agora, sob o mesmo teto, nem imaginar... A menina sentia-se enciumada. Não entendia a atitude da mãe. Não herdou a sua sagacidade, coitadinha... Os enjôos da gravidez ainda contribuíam para aumentar a sua tristeza e, até, a sua desilusão pelo casamento, que a mãe tanto batalhou para que se concretizasse. Honorinho, fugidio, sem nenhum gesto de carinho, alheiava-se totalmente ao estado gestante da esposa. Estava envolvido pelas carícias, pelo amor e pelas práticas sexuais da "generosa" sogra.

Carlinda bem que não queria morar com a mãe, como dissera a Honorinho, quando namorados. Sempre ouviu dizer que sogra é carne-de-pescoço. Entendia que era sua mãe, mas seria "sogra", nome indigesto, que sempre foi para genros e noras, como já ouvia alguém dizer. No caso deles, contudo, aconteceu o inverso da medalha. Parecia-lhe ser ela a nora indesejável e Honorinho, o filho, muito querido, por sinal. A cabeça da menina, cheia de dúvidas, rodopiava. O casal viveu relativa felicidade por poucos meses. Eudóxia roubava para si os beijos, abraços e carícias que Honorinho deveria proporcionar à sua esposa, em momentos, em lugares estrategicamente arranjados por ela. Naquele triângulo amoroso, Carlinda participava como um instrumento na mão de Eudóxia, que a traía, descaradamente, com o genro. Fazia parte involuntariamente. Até que, um dia, um bilhete anônimo caiu nas mãos de Carlinda. E dizia: "Cuidado, menina! Tua mãe está te passando a perna. Estás dormindo no ponto! Acorda, menina!".

Trancou-se em seu quarto, afogada em lágrimas. Ali permanecendo por um tempo quase sem fim, emburrada e soluçando, afogando-se em lágrimas. Dava dó de assistir ao sofrimento da infeliz moça...

-- Abra a porta, meu bem! Abra!

Pá! Pá! Pá! Batia na madeira o marido, um tanto aflito.

-- Minha filha,abra esta porta! Pedia a mãe - consciente dos fatos, da sua traição, amante que era do próprio genro.

Carlinda, com sangramento, foi levada às pressas a uma maternidade da cidade, onde abortou. E, sem alternativa, não tendo para quem apelar, a filha dobrou-se, rendeu-se aos caprichos, à impudência da mãe, sem meios, pois, de evitar aquele concubinato da mãe com o seu marido Honorinho.

O intolerante, austero, sectário tabelião, o velho José Honório, que falecera pouco tempo depois, felizmente, nunca desconfiou do triângulo amoroso que se formou na casa da inescrupulosa Eudóxia. E ele que tanto preservava o conceito de família. Da sua família, principalmente. C´est l´amour!?





terça-feira, 18 de dezembro de 2012



AQUELE VELHO

Não vês aquele velho, ali, sentado,
Cabisbaixo, tristonho e pensativo,
Agora, sem destreza e sem motivo
Qualquer para viver. E até frustrado...?

Ele já foi disposto e muito ativo.
Já muito ofereceu e... foi amado.
E hoje se sente meio desprezado,
Ali, naquele canto, meio esquivo.

É bom que saibas que, por certo, um dia
Há de chegar o tédio que angustia,
Sentindo tu a mesma solidão...!

E aquele idoso que está ali, tristonho,
Merece, pelo menos, ter um sonho
De ter de ti um pouco de atenção...!





domingo, 9 de dezembro de 2012



SORRIR

Sorria quando o sol enrubescer
O horizonte, anunciando o dia,
Enchendo a vida de muita alegria,
Nos dando, assim, vontade de viver.

Quando a amargura te tocar, sorria;
Deixa o teu rosto, em luz, esplandecer.
Reviva a vida com teu bem-querer!
Dá-lhe um sorriso que, talvez, queria!

Por que viver, então, indiferente
A tudo que há de belo à tua frente,
Sentindo só tristeza. E até rancor...?

Em todo instante em que o dia nasce,
É bom sorrir, iluminando a face.
Sentir de Deus, o Seu tão puro amor!





quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


A MERETRIZ

Essa mulher que chamas de perdida.
Essa que vaga pelos lupanares,
Nos cabarés sombrios, pelos bares,
Entregue ao vício que lhe rouba a vida.

Essa que, à noite, afoga os teus pesares
No estranho ofício dessa infausta lida;
Que é repudiada ou preferida
No desejo sexual de mil olhares.

Essa mulher que rir dessa “comédia”,
Ela esconde em sua alma uma tragédia,
Que transforma sua dor em alegria.

Se alguém sentisse a mágoa do seu peito,
A tristeza, talvez, no amor desfeito,
Assim, então, não a condenaria.





terça-feira, 4 de dezembro de 2012


O AMOR

Nada é mais nobre, mais sublime quanto
O amor que se dedica a alguém na vida,
Sendo a essa ou àquela – à preferida
Dos sonhos que sonhamos. No entanto,

Se a promessa de amar for esquecida,
Jogada, sem valor, em qualquer canto,
Se transformando tudo em desencanto,
Fere demais a jura preterida...!

E como dói, assim, a indiferença
Àquilo em que se teve a mesma crença,
P´ra se viver p´ra sempre um grande amor,

Que venceu dissabores, as tristezas,
As injúrias. Enfim, as incertezas
Que nos causaram sofrimento e dor...!




MÁGOAS

No amor, cedo, perdi a minha crença,
Quando , outrora, feliz, acreditei,
Colhendo flores, que p´ra alguém ei dei,
Vivendo, assim, uma paixão imensa.

Os dissabores, que somente eu sei...,
Ferindo minha alma com uma dor intensa,
Foram julgados como minha a ofensa,
Mesmo por tudo que experimentei.

As amarguras me tornaram frio,
Carpindo, na tristeza, o amargo estio
De um amor sincero para alguém me dar...!

E, assim, para chorar perdi o jeito,
Mesmo sentindo mágoas no meu peito,
Uma lágrima só sei derramar...!








A VIDA

O mundo num cassino transformou-se,
Onde as fichas se joga atrás da sorte,
Na ganância de ser sempre o mais forte,
Como tudo, na vida, p´ra si fosse.

Sem se pensar que, um dia, a infausta morte
Transforma em amargura o que era doce
E o jogo, então, se perde. E assim findou-se,
Sem ter mais direção de sul e norte...

A vida é um jogo, um jogo desonesto,
Que para muitos só lhes sobra resto,
Na disputa infeliz do egoísmo,

Demonstrado entre cartas sobre a mesa,
No pano verde roto da esperteza
De parceiros afeitos ao cinismo...!



SUA FOTO


AINDA HOJE RECORDO, COM TRISTEZA,
AQUELA VEZ PRIMEIRA, AQUELE DIA
QUE ME ENTREGOU UMA FOTOGRAFIA
COLORIDA, TÃO CHEIA DE BELEZA,

EM QUE SEU ROSTO, PLENO DE ALEGRIA,
REFLETIA P´RA MIM TANTA PUREZA,
QUE SENTI NO SEU GESTO TAL GRANDEZA,
QUE ERA TUDO NA VIDA O QUE EU QUERIA.

AQUELE TRÊS POR QUATRO QUE ME DEU,
QUANDO ENTRE NÓS UM GRANDE AMOR NASCEU,
NELE ESCREVENDO: Com amor, te dou...;

AQUELA FOTO, AGORA, DESBOTADA,
TENHO-A COMIGO, MESMO ASSIM, GUARDADA
COMO LEMBRANÇA - O QUE P´RA MIM RESTOU.