terça-feira, 25 de dezembro de 2012

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                                               UM TRIÂNGULO AMOROSO


A festa do aniversário da filha do tabelião José Honório foi um marcante acontecimento, ali, naquela próspera cidade do interior do Estado, no Nordeste. Colunistas sociais, da Capital, comentaram o evento em seus jornais nas edições do domingo seguinte.

-- O que você achou da festa da Lucinha? E do filho do Honório? Não é uma graça de rapaz? Eudóxia quis saber da filha, logo que deixaram a casa da aniversariante, no caminho para casa, enquanto dirigia, vagarosamente, seu automóvel.

-- Eu percebi o seu entusiasmo. E... as olhadas de Honorinho para você, eu notei também. Você não observou que ele estava muito interessado em você?

-- Francamente, mãe, não notei não. Ele me tratava do mesmo jeito que fazia com as outras meninas...

Faltava à filha a esperteza, a astúcia, a experiência da mãe.

Carlinda logo se enturmou com outras moças convidadas, que, alegres, tagarelavam em torno de Honorinho, irmão de Lúcia, a aniversariante. A mãe, extrovertida e simpatíssima como era, esbanjava sorrisos e muita conversa, entre casais, que provavam da enorme variedade de salgadinhos, doces e bebidas, inclusive o não tão barato champanhe francês.

O tabelião José Honório, como havia prometido à mulher, nos seus últimos dias de vida, deu à filha uma esmerada festa de quinze anos. A casa, numa das ruas preferida pelos mais afortunados da cidade, encheu-se de luzes demasiadamente, até por baixo das fruteiras que compunham parte do jardim dos fundos da residência, onde se espalhavam mesas e cadeiras para os convidados, que se serviam, à vontade, ou por garçons bem trajados também. Lúcia convidou para a sua festa, como compromisso também, os amigos mais achegados à família. Eudóxia e o marido (quando vivo) faziam parte daqueles íntimos.

-- Vamos dançar? Honorinho convidou Carlinda, dentre as outras.

A moçada, aos pares, já se balançava no salão da vistosa residência do tabelião Honório, preparo para a festa, ao ritmo molengo de uma música caribenha, executada por um famoso conjunto-musical, da Capital, contratado para o evento.

Dali para diante, Eudóxia não parou de martelar a cabeça da menina para se engraçar pelo moço. E namorá-lo. Assim, sempre que iam juntas ao centro da cidade, dia sim, dia não, passavam, a passos lentos, em frente ao Cartório, forçando a filha a certas insinuações, para chamar a atenção de Honorinho, que, mesmo envolvido com o seu trabalho, correspondia com olhares e sorrisos melosos também. Carlinda não era tão atraente como a mãe - uma quadragenária vaidosa, de quadris curvilíneos, ainda mais arredondados pelos espartilhos, contando ainda com um busto não volumoso, mas empinado pelo sutiã, certamente. Mas, a menina despertava o interesse dos rapazes pela meiguice de sua fala e dos seus gestos maneirosos de se comunicar.

A estratégia de Eudóxia não falhou. Aliás, ela nunca falhava, quando desejava coisas até impossíveis como, por exemplo, apadrinhar a filha, no casamento, com o prefeito do município, que era um sujeito incomunicável e, já viu..., antipático que só ele mesmo. Em época de eleição, era outra criatura. Até sorria, angariando votos.

Eudóxia era uma mulher prática, decidida. E, além disso, bonita; dona de um olhar incitante. Muitos iam além: Ela tem um quê de sedutora. E ainda não experimentava a fase crítica do climatério. Podia até casar de novo e ter filhos, se esse fosse o seu desejo com um novo marido.

Aquela não era a sua vontade. Não pensava contrair núpcias outra vez; constituir nova família, procriando, apenas para satisfazer a vontade de um novo companheiro. Não! Isso não! Nunca! Dizia consigo. Ela queria era um relacionamento descompromissado, em que o sexo estivesse acima de tudo, na concepção mais límpida da palavra. E um homem, jovem, no vigor dos seus 20 anos, como Honorinho, seria a dose certa, o remédio ideal para os seus impulsos carnais. Não estava mais ligando para conceitos sociais, nem religiosos. Que a sociedade se dane, se vou ter o meu genro como meu amante! Desabafava consigo. Carregava, de longa data, a frustração de não ter tido como esposo, ou como amante - melhor ainda, dizia, alguém mais jovem do que ela. Contraiu matrimônio com um homem idoso, dez anos a mais da sua idade, tão somente por insistência dos seus pais, respeitando, assim, as tradições familiares da cidade, atreladas aos dogmas da igreja católica. Sentia-se, assim, tolhida, frustrada em suas pretensões sexuais, já que nenhuma outra maneira de fazer sexo partia do marido, que a deixou viúva ainda bem inteira, cheia de vigor sexual. Sem alternativa, buscava seus prazeres às escondidas, masturbando-se com objetos, adquiridos em lojas especializadas, que já existiam na Capital. Mas, as suas intenções podiam se realizar, verdadeiramente, tendo o filho do tabelião Honório, como seu genro, em casa, ali na sua mão, sem se expor a comentários, a cochichos dessa ou daquela mexeriqueira da cidade, se se interessasse por algum outro jovem dali mesmo. As fantasias eróticas, que já imaginava com o rapaz, perturbavam-lhe demasiadamente, a ponto de ter orgasmos durante a noite, mesmo sozinha, com travesseiros presos às pernas, pensando no que iria praticar com seu futuro genro.

Com o falecido esposo não se realizou por completo na intimidade das quatro paredes do seu quarto. Uma barreira impedia, mesmo aceitando a maneira normal do marido, de possuí-la, Eudóxia, dificilmente, tinha os seus gozos completos. A formação religiosa do marido servia de entrave. Frustrava-se por isso. Não se considerava ninfômana. Era, sim, carente de carícias, de excitações, de manipulações em seu corpo por mãos masculinas experientes nas preliminares que antecedem ao ato sexual, propriamente. E no adolescente Honorinho, no fervor dos seus dezoito anos, com a libido à flor da pele, estava certa que encontraria. E a ele podia retribuir, oferecendo-lhe tudo aquilo que desejava praticar como fêmea, como uma amante perfeita, submissa a todas as suas fantasias e desejos eróticos - coisas normais no pensamento dos adolescentes. Imaginava.

Lia e relia, nos seus devaneios noturnos, na penumbra do seu quarto, trechos do livro "A Carne", de Júlio Ribeiro, como os diálogos dos personagens Lenita e Barbosa:

“-- Não posso! Não posso! exclamou, ululou desatinado.

Deu-se uma inversão de papéis: em vista dessa frieza súbita, desse esmorecimento de carícias, cuja causa não podia compreender, nem sequer suspeitar; no furor do erotismo que a desnaturava, que a convertia em bacante impudica, em fêmea corrida, Lenita agarrou-se a Barbosa, cingiu-o, enlaçou-o com os braços, com as pernas, como um polvo que aferra a presa; com a boca aberta, arquejante, úmida, procurou-lhe a boca; refinada instintivamente em sensualidade, mordeu-lhe os lábios, beijou-lhe a superfície polida dos dentes, sugou-lhe a língua...

E o prazer que ela sentia revelava-o na respiração açodada; no hálito curto, quente; era um prazer intenso, frenético, mas... sempre incompleto, falho...”

E terminava por se tocar intimamente, fazendo uso de certos objetos, agarrada a um travesseiro, como sempre acontecia.

Empenhou-se em casar logo a filha, assim que enviuvou.

Tanto fez que arranjou o namoro da filha Carlinda com o filho do tabelião José Honório. O rapaz, Honorinho, bem afeiçoado, ainda não estava a fim de abandonar a vida de solteiro, pois levava uma vida mansa com a boa retirada mensal que lhe cabia. Tinha carro do ano. Só usava roupa de griffes renomadas e aproveitava bem os finais-de-semanas. E, quando sem programa na cidade, mandava-se para as praias, na Capital.

Não tinham nem um ano ainda de namoro. A futura sogra botava uma lenha desmedida para atiçar o fogo do moço, para atraí-lo ao seu redor. Queria sacramentar tão logo o casório filha com aquele genro, com quem dividiria muitos momentos de amor. Porque, por um lado o futuro da filha estava garantido. Honorinho era o escrivão-substituto, herdeiro natural do lugar do pai. E, por outro, estaria ele ali, pertinho dela, aos seus pés, a seu dispor, como arquitetou o seu plano. Maior do que o da filha era o seu objetivo: trazer Honorinho para dentro de casa. E com ele, dar vasão aos seus desejos recalcados de fazer sexo diferente do que experimentou com o falecido marido.

-- Você não pode deixar escapar esse partido, menina! Esse rapaz é um amor de criatura! Você não concorda, filha?

-- Ah, mãe...! Sei não! Tá bem! Você tem razão! Mas, o que é que faço, então?

-- Deixe comigo... Seja só boazinha com ele! O resto eu dou um jeito.

Não tinha uma vez que o rapaz fosse à sua casa, para namorar ou pedir para sair com Carlinda, que Eudóxia não tivesse alguma coisa para lhe oferecer, afora palavras carinhosas, maternais. Era tanta gentileza, tanta insistência que ele acabava por provar, um pedacinho que fosse, de bolo ou de doce. No mínimo, tinha um cafezinho, feito na hora, quando faltavam certas iguarias, para o futuro genro, que, naqueles meses de namoro, já não sabia o que dizer à mãe da menina para não provar "um pedacinho só" de novo agrado, feito especialmente para ele. Era uma bajulação exagerada, que deixava Carlinda sem jeito, encabulada, sem graça.

Eudóxia alcançara o seu objetivo. A filha, liberada, acompanhando Honorinho até nas suas idas às praias, na Capital, arranjou uma gravidez. Era aquilo que a mãe desejava para forçar o casamento. Conhecia a austeridade de José Honório, adepto que era dos bons costumes e da velha autoridade paternal. Sabia que jamais o velho tabelião permitiria ter um neto que fosse resultado espúrio de um concubinato, ou de um ato descabido de um adolescente irresponsável, como seria tachado o seu filho. Dito e feito.

E gritou com o filho:

-- Você vai assumir essa paternidade, ouviu? E não é somente isso! Você vai casar com a menina! Estamos entendidos?

Honorinho baixou a crista, que nem ousou levantar.

Afinal, se casaram. Foi uma festa simples, mas bonita. Tudo aconteceu na casa da sogra, um imóvel grande, cheio de cômodos espaçosos, do jeito que gostava o falecido "doutor" Generoso, seu esposo, que fazia as vezes de médico com receitas desse ou daquele medicamento homeopático, na sua farmácia, muito procurada naquele município. Então, ficaram vivendo, por insistência e incomensurável satisfação de Eudóxia, em sua residência, depois de casados. O velho Honório presenteou o jovem casal com um belíssimo conjunto de quarto: cama, um berço para o netinho, ou netinha, que brevemente chegaria, armário-de-roupa, cômoda e tudo mais que coube no espaço em que os dois passariam a ocupar. “Sêo” Honório não se opôs à mudança do filho para a casa da sogra. A sua filha logo casaria e, sem dúvida, ficaria vivendo em sua companhia.

A admiração e os cuidados de Eudóxia para com o genro eram gritantes. Então agora, sob o mesmo teto, nem imaginar... A menina sentia-se enciumada. Não entendia a atitude da mãe. Não herdou a sua sagacidade, coitadinha... Os enjôos da gravidez ainda contribuíam para aumentar a sua tristeza e, até, a sua desilusão pelo casamento, que a mãe tanto batalhou para que se concretizasse. Honorinho, fugidio, sem nenhum gesto de carinho, alheiava-se totalmente ao estado gestante da esposa. Estava envolvido pelas carícias, pelo amor e pelas práticas sexuais da "generosa" sogra.

Carlinda bem que não queria morar com a mãe, como dissera a Honorinho, quando namorados. Sempre ouviu dizer que sogra é carne-de-pescoço. Entendia que era sua mãe, mas seria "sogra", nome indigesto, que sempre foi para genros e noras, como já ouvia alguém dizer. No caso deles, contudo, aconteceu o inverso da medalha. Parecia-lhe ser ela a nora indesejável e Honorinho, o filho, muito querido, por sinal. A cabeça da menina, cheia de dúvidas, rodopiava. O casal viveu relativa felicidade por poucos meses. Eudóxia roubava para si os beijos, abraços e carícias que Honorinho deveria proporcionar à sua esposa, em momentos, em lugares estrategicamente arranjados por ela. Naquele triângulo amoroso, Carlinda participava como um instrumento na mão de Eudóxia, que a traía, descaradamente, com o genro. Fazia parte involuntariamente. Até que, um dia, um bilhete anônimo caiu nas mãos de Carlinda. E dizia: "Cuidado, menina! Tua mãe está te passando a perna. Estás dormindo no ponto! Acorda, menina!".

Trancou-se em seu quarto, afogada em lágrimas. Ali permanecendo por um tempo quase sem fim, emburrada e soluçando, afogando-se em lágrimas. Dava dó de assistir ao sofrimento da infeliz moça...

-- Abra a porta, meu bem! Abra!

Pá! Pá! Pá! Batia na madeira o marido, um tanto aflito.

-- Minha filha,abra esta porta! Pedia a mãe - consciente dos fatos, da sua traição, amante que era do próprio genro.

Carlinda, com sangramento, foi levada às pressas a uma maternidade da cidade, onde abortou. E, sem alternativa, não tendo para quem apelar, a filha dobrou-se, rendeu-se aos caprichos, à impudência da mãe, sem meios, pois, de evitar aquele concubinato da mãe com o seu marido Honorinho.

O intolerante, austero, sectário tabelião, o velho José Honório, que falecera pouco tempo depois, felizmente, nunca desconfiou do triângulo amoroso que se formou na casa da inescrupulosa Eudóxia. E ele que tanto preservava o conceito de família. Da sua família, principalmente. C´est l´amour!?





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